Tuesday, December 27, 2011

Quixadá 2011 (e o dia em que nasci de novo)

"Angel came down from heaven yesterday, she stayed with me just long enough to rescue me". - Jimi Hendrix

Uma semana antes de ir para Quixadá, choviam canivetes no sertão e a previsão de 15 dias era muito ruim. Cecéu e Bigode desistiram de ir. Estive a ponto de desistir também, mas poucos dias antes da viagem o meteograma melhorou ligeiramente.

A verdade é que estava cansado de voar. Havia tido uma crise de coluna que me impediu de fazer o Bivouac-Goiás em setembro e sentia que me faltavam a estâmina e a vontade que são requeridas para voar no sertão.

No dia 22/10, primeiro dia de vôo, o tempo abriu. Saí umas 8h00. As condições de vôo estavam "mamão", com termais entre 0,5 e 3 m/s. O vôo foi um verdadeiro passeio até Tabosa, sem turbulência e com toda a rota formada.

Em Tabosa fiquei baixo, mas consegui ganhar altura para jogar com segurança em direção à Cruzeta. Antes da Cruzeta peguei uma térmica mexida e falhada, mas como estava a meia altura (uns 900m) e querendo fazer base para não cair na hora crítica de meio-dia, comecei a enroscar. Numa dessas “falhas” da térmica, a vela perdeu pressão e avançou violentamente.

Em geral, no processo de avançada do parapente, o piloto sente aquela “puxada” característica no quadril e imediatamente trava a vela. Sempre olho muito para o parapente, e quando ocorreu o front não foi diferente. Em mais de 200 horas no R10.2, jamais deixei a vela avançar como avançou naquele dia. Mas a avançada dessa vez parece ter sido diferente, sem pressão, muito rápida e violentíssima. Vi todo o extradorso do R11, e quando reabriu saiu com um "line over" de 50%.

Já havia lido no foro internacional que quando o R11 entra em front grande, dificilmente é recuperável. Mas acreditei que esse tipo de configuração estava ocorrendo porque os pilotos em questão estavam acelerando a vela até o talo em competições. Como acelero pouco e vôo de forma conservadora, achei que estaria livre desse tipo de ocorrência.

Quando vi o tamanho do line-over e que a irrecuperável configuração em que me encontrava aumentaria rapidamente o giro da vela e a força G, lembrei do que havia lido e me dei conta de que não havia outra coisa a fazer senão jogar o reserva, mesmo com os cerca de 800m que tinha.

Lancei meu reserva direito, que abriu rapidamente. Mas estava a ponto de cometer um erro importante. Comecei a travar o R11 nos freios (ao invés de matá-lo no tirante B), enrolando as linhas na mão para tentar matar a vela, que oscilava de forma muita agressiva, “pirulitando” de um lado a outro. Essa oscilação do parapente causou avançadas radicais do reserva e uma sensação horrível de aumento da taxa de queda, que até então parecia sob controle.

Em uma dessas “pirulitadas”, o R11 abraçou o reserva e formou um “bololô”, que foi arremessado para as minhas costas. Caindo com as pernas apontadas para o alto e somente com o visual do céu (-15m/s na média de 10s registrada pelo C-pilot), não conseguia ver o “bololô” parapente-reserva porque este rodava nas minhas costas e os tirantes do paraquedas, diante dos vários "twists" que vinham sofrendo, começavam a me enforcar pela nuca e a forçar o capacete e minha cabeça para baixo, tapando parcialmente minha visão.

Luta pela vida

Naquele momento ficou óbvio que precisava lançar o segundo reserva, na lateral esquerda da selete. Mas minha mão esquerda estava esmagada e imobilizada pelas várias voltas que tinha dado na linha do freio ao tentar matar o R11. E o “bololô” puxava a mão esquerda na direção oposta da alça do reserva. Com a mão direita, que consegui liberar do freio Deus sabe como, não alcançava a alça esquerda.

Então comecei toda uma luta para liberar a mão esquerda com ajuda da mão direita, cravando os dedos por baixo das linhas e empurrando as voltas prá frente para que escorregassem para fora da mão imobilizada. Foi um momento muito delicado - diria que o mais crítico de toda minha vida - porque já começava a ficar baixo e brigava para liberar a mão esquerda, em giro, desorientado e caindo.

Nesses momentos, reza a lenda que uma retrospectiva da vida passa pela cabeça. Minha experiência foi diferente. Estava totalmente concentrado na tarefa de sair daquela situação. Como bem disse o legendário Peter Brinkeby, "there is a state of mind that I suppose is the seed of my attraction to adventure sports. It’s the moment when nothing else matters and all the attention is fully focused on the present moment. I think it is easiest reached in a life threatening situation, but also possible with meditation or plain focus. I call it ‘inner silence.’"

Finalmente consegui liberar a mão esquerda, após despencar umas centenas de metros, e acionei o reserva esquerdo. Como os tirantes do reserva direito continuavam a me enforcar pela nuca, não conseguia olhar prá cima para ver se o segundo reserva estava em vôo, livre do “bololô”. Somente quando já estava mais baixo, tive a certeza de que havia aberto corretamente, quando vi sua sombra sobre o mar de juremas. O Sky "lightweight" de 1,2 kg iria salvar minha vida.

Derivei em direção a uma pedreira, mas novamente tive sorte: uma descendente me depositou antes das pedras num juremal. Pousei em pé, sem nenhum arranhão.

De volta ao glorioso R10

Claramente, houve uma piora de projeto entre o R10.2 e o R11. Quando voei o R11 pela primeira vez, notei que era uma vela “mais mole” que o R10 e que as avançadas pareciam ser mais “persistentes” (tendência a continuar a pegar velocidade, ao contrário do R10, que diante da travada imediatamente volta para a cabeça e lá fica). Mas achei que era questão de me acostumar.

Os incidentes e acidentes com a vela não demoraram. Alex Hofer, Pepe Malecki, Luc Armant, Eitel, todos pilotos experientes... Mas quis crer que era algo que decorria da agressividade dos pilotos nas competições. O R10.2, por outro lado, foi voado durante milhares de horas pelo mundo, em competições e cross, e as histórias de incidentes não surgiram. Obviamente, havia algo de errado com o novo projeto. O que nos faz recordar que quando se lança um projeto extremamente completo, como foram o R10 e o Boomerang 3, dificilmente os sucessores imediatos estarão à altura.

Não tive dúvidas em recuar um passo. Imediatamente voltei para o R10. E botei mais 25 horas nele em Quixadá, além das mais de 200 que já tinha. Novamente nada. Joguei em queimadas, subi a 8m/s e peguei "dusts". A vela é, sem sombra de dúvidas, superior ao R11.

"Vai afinar?"

Depois do lançamento dos reservas, estive a ponto de desistir da viagem e ir prá praia. Com o incentivo do Dió (quando comentei que já estava muito velho prá tudo aquilo, soltou a pérola: “vai afinar?"), ainda consegui fazer dois vôozinhos de mais de 300km. E perdi a oportunidade de chegar ao Delta do Paranaíba (este sim teria sido o vôo inesquecível) num dia de vento sudeste em que caí cedo no km 180.

Cabia mais. Em ambos os vôos decolei tarde e pousei cedo. Finalmente, admiti que estava cansado e sucumbi às tentações de Jericoacoara.

Podendo, use dois reservas

Considerando que no universo de pilotos de parapente uma ínfima minoria faz uso de dois paraquedas reserva, minha decisão, tomada em 2008, de voar seletes com dois "containers" não poderia ter sido mais acertada. Mas também é verdade que a sorte atua de forma decisiva em nossas vidas. O mestre Woody Allen já havia falado nisto umas quantas vezes...

Carpe Diem! Nos vemos na base em 2012!!!