Thursday, November 08, 2007

Quixadá, parte 2


1. Se hoje se decola tão cedo no Nordeste, isto se deve ao pioneirismo dos pilotos da SOL, sobretudo André Fleury e Marcelo Prieto, que, na base da tentativa e erro, foram adiantando progressivamente os horários de decolagem, na busca de uma janela mais ampla para recordes e de saídas mais seguras, com menos vento. Lembro-me que no XCeará 2003 decolar antes das 10h00 ainda era incomum.

2. A SOL e seus pilotos, por todo o investimento que têm feito nos últimos anos na expedição XC Nordeste e pelas descobertas daí decorrentes, merecem deter o recorde. Terão de defendê-lo bem (competência não falta), pois no esporte não existem garantias. E a competição no XCeará será acirrada, sendo que as médias devem aumentar com mais pilotos no ar.
3. Para se ter uma idéia da dimensão do resgate, o carro que aluguei durante duas semanas rodou, entre encontros e desencontros, 6.000 km. Leve-se em conta que nos dias de descanso ficou parado. Havia pilotos estrangeiros voando sem resgate. Haja disposição...
4. Quixadá é provavelmente o lugar mais consistente no mundo para a prática do cross-country. Deixamos de voar em muitos dias em que se podia fazer 200, 250, quem sabe 300, para descansar ou porque as características do dia não permitiam sair cedo. É bem verdade que existem locais com uma janela maior de horas para se voar (Texas, por exemplo), mas nenhum deles parece dispor da mesma abundância de dias bons - que é, aliás, a marca registrada do nosso querido Brasil, de Araxá prá cima. No longo prazo, o recorde mundial tenderá a estar em locais com janelas de 12 horas de vôo, porque o fator de duração é decisivo. Mas nunca será tão prazeroso voar XC como no Brasil, com todas nossas facilidades, roubadas relativamente povoadas, povo simpático e acolhedor, comida caseira, etc.
5. O profissionalismo do Cecéu é de tirar o chapéu. O Rafa aprendeu com ele e está colhendo os frutos. Ainda que tenha feito a maioria dos meus vôos sozinho, pude aprender muito com os dois sobre preparação e foco. Estão voando muito bem em time. O dia em que conseguirem voar juntos até o fim da tarde, irão longe.
6. Creio que saber o momento de mudar a marcha é o mais importante no vôo livre. Neste ano, consegui controlar melhor a ansiedade e parar nos momentos em que era necessário sobreviver em vôo para não cair prematuramente. E também consegui acelerar quando me dei conta de que a condição estava clássica (ainda que de forma um pouco relutante por querer garantir os 300).

Saturday, November 03, 2007

Enfim, os 300!



Com dois vôos de mais de 9 horas em Quixadá, realizei meu sonho de voar 300 km. Os vôos, de 359 km e 335 km, podem ser visualizados aqui:

http://www.paraglidingforum.com/modules.php?name=leonardo&op=show_flight&flightID=12179

http://www.paraglidingforum.com/modules.php?name=leonardo&op=show_flight&flightID=12097

Deixarei os relatos para algum momento tedioso de inverno.

Quixadá realmente é o céu e o inferno. No primeiro dia, em que o Rafa bateu o recorde sul-americano, com 397km, pousei às 8h00. Voltei correndo para a rampa de moto-taxi. Na segunda decolagem, puxei a vela antes de uma rajada e voei de ré para o rotor, passando maus momentos.

No dia seguinte, a condição estava ainda melhor, com mais nuvens e organizada. Fiz 100km em 2 horas, caindo às 11h00, num venturi ao norte de Tabosa. No momento em que caí, pensava se teria de passar pela mesma, horrenda desilusão do ano passado. Não voltaríamos a ter um dia tão especial como aquele...

Continuei a lutar, mas a condição insistia em azular por volta das 11h00, quando as térmicas passavam a ser falhadas e com cisalhamento. E aí surgia o dilema: seguir lentamente pelo azul ou descansar para o próximo dia?

Somente no domingo (21/10), cravaria os 300. Nesse dia, foi o Rafa quem caiu cedo. Juntos teríamos feito muito mais do que os 335 km que voei (em zig-zag). Cheguei em Piripiri por volta das 16h15, com uma hora e quinze de vôo pela frente. Mas um congestus enorme desaguava sobre a planície no Piauí, fechando a rota para Barras, que estava a um planeio. Não importa, já estava satisfeito.

A verdade é que nenhum dos dias em que voamos foi completo (vento forte e alinhado ao longo da rota, cumulus abundantes e ausência de cirrus). No dia seguinte ao meu vôo, o Cecéu bateu a marca do Rafa, voando 414 km, o primeiro vôo de mais de 400 em território brasileiro. Pegou cirrus na perna final, vendo as chances de derrubar o recorde mundial irem por água abaixo. Uma pena... Mas é muito provável que o recorde caia em território brasileiro nos próximos dias (nota ed.: o recorde mundial foi batido em 14/11 por Frank Brown, Cecéu e Rafa, com 462km).

Meu segundo vôo longo, de 359 km, foi uma lição de que só se pode dar o dia por terminado ao colocar os pés no chão. O vôo começou com condições clássicas, mas azulou no km 70. Daí em diante, fui me arrastando pelo azul até pouco antes de Crateús (rota para leste, um pouco ao sul da tradicional). A condição voltou a arredondar somente no km 160, quando já havia salvo o dia a menos de 50m do chão. Nesse dia, o cirrus voltou a nos atrapalhar. Pousei às 17h00, sem fazer o planeio final, porque a última térmica do dia já era muita fraca para me tirar do chão. O Rafa, que voava uns 15km à minha frente, dispensou o lastro, pousando às 17h40, com 398km.

Nada como a ambição humana... Agora é natural querer os 400. Mas a verdade é que - como disse um escritor mexicano - a Deusa do êxito é uma puta. Sempre haverá pilotos voando mais longe e mais rápido... Quem se apegar demais às cifras, fatalmente terá decepções.

Olhando para trás e fazendo uma retrospectiva dos últimos 6 anos, em que o cross-country tornou secundários todos meus demais interesses, voar mais de 300km terá sido o ponto alto da jornada. E, ainda assim, é uma parte pequena dos muitos momentos espetaculares que esse esporte me proporcionou.

Definitivamente, para mim, o vôo de distância livre põe em cheque qualquer concepção do que seriam, para aqueles que não voam, as férias ideais. Um dia, ao ver pontos turísticos, visitar restaurantes e museus, lembrarei dos gloriosos dias de XC. E, então, olharei com certa incomodidade para o céu e as nuvens, tentando afastar, em vão, a nostalgia dos bons tempos...